4.9.04

Beslan

O que era Beslan até uns dias atrás? Era, literalmente, nada para nós. E se olharmos as imagens de TV da catástrofe de ontem, podemos ver os contornos do "nada", no pano de fundo...estava em todos lugares e em lugar nenhum, uma normalidade, um fragmento da média. Agora, no entanto, Beslan assumiu seu lugar na lista de erros e crueldades. Seu nome será inseparável do sofrimento de crianças e seus pais, da mais terrível irrupção de maldade em vidas inocentes.A morte e o ferimento de crianças é a negação de tudo que mais importa na vida: a chance de que o futuro será melhor do que o passado; a esperança, que está no rosto de cada criança, de que o mundo será bom para elas. É uma lembrança de que a falta de piedade permanece perto do coração do universo. Confrontados com Beslan, com as crianças ensangüentadas deitadas nas macas, com os rostos marcados pelo pesar dos pais à espera, com o fato de saber que a dor que se vê é apenas o início da dor que virá, não entendo como alguém pode afirmar que este mundo é um mundo bom.

Trecho de "Beslan, de palavra sem signifcado a sinônimo de ignomínia" de Adam Nicolson, do Daily Telegraph. Publicado no O Globo, na íntegra, 04/09/2004.

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Estou tão chocada com o que aconteceu na Ossétia do Norte, que não tenho como me calar, apesar de saber que frente as tragédias, qualquer que seja a proporção, não passamos de insignificantes, que nada podemos fazer a não ser assistir às notícias impávidos, sentir piedade, ou no máximo fazer um protesto aqui ou ali. A gente se recolhe à nossa insignificância dando graças a Deus que o terror não atinge nossos lares confortáveis. Sabendo que amanhã coisa pior pode acontecer, que é inevitável, mas e aí? Tendo total consciência desse nosso papel de meros espectadores frente as bárbaries cada vez mais frequentes. Tudo que a sociedade construiu como instrumento de defesa: a organização em si, a polícia, a legislação, as forças armadas, são todos impotentes na prevenção e no combate ao terror. O maior trunfo do terror é exatamente essa brecha, e a imprevisibilidade é a arma.

O mundo está é muito louco. As pessoas estão muito loucas. Cada vez mais gente no mundo, mais gente louca, e as loucuras não têm mais limite. Somos um mundo totalmente acometido pela doença da loucura desenfreada, alimentadas pelo etnocentrismo, egoísmo, pela pobreza e pelo fanatismo. Pela ignorância. Como e quando tudo isso vai acabar? Não há perspectivas. O mundo está completamente perdido dentro dessa loucura.

E a nosso pequeno terror particular é a insignificância, é saber que a única coisa que podemos fazer é se recolher dentro dela com muita piedade.

E muito, muito medo.

P.