Daniel era um amigo de colégio, o mais CDF e o mais inteligente, mas também o mais tímido, um loirinho de cabelo-capacete com cara de russo e olhos castanhos puxados. O que ele mais gostava de fazer era passar a hora do recreio na biblioteca, sozinho, lendo.
25 anos depois.
Daniel me avista num restaurante do Leblon. Chamo-o para sentar. Falamos sobre a biblioteca do recreio, os livros empoeirados e misteriosos, amigos do passado que não fazem mais parte do nosso presente, como não fazíamos um ao outro minutos antes, escritos em hebraico com potencial para futura tatuagem, a superação da timidez, como você não mudou nada, tá com a mesma cara de criança, aquele mesmo olhar espaçado, aquele jeito de folha caída que voa, que dança, conforme a vontade do vento, e o vento ainda não parou quieto, a ventania te levou e te trouxe até aqui, pra esse restaurante, no Leblon, onde te reencontrei, e de longe te vi e te reparei e te reconheci, e quero sim, vamos sim, até amanhã, me dá seu telefone e te dou o meu, me escreva uma mensagem de texto sms, um sms que diz tudo, um email marcando um encontro sem contar com a minha presença, um oi no msn, grita o meu nome, me mande um fax, um sinal de fumaça, e me diz o que é e o que não é, porque o que não é eu sei e já saquei, então use uma das maneiras infinitas de contato porque o que restou da nossa intimidade ainda é um resto, um resquício, como aquela água sem gelo que você pediu um dia, e sempre pede, no mesmo restaurante do Leblon, Daniel.